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A COZINHA DA COPA (Continuação)
Lauro Moreira
Pois é, meus amigos, eu pretendia acabar logo com esse papo interminável de Copa, antes mesmo que a atual se iniciasse, mas acabei me atrasando, entrando no clima e obviamente plantando-me diante da televisão, desde o jogo inaugural do Brasil contra a Croácia no Itaquerão, ops, na Arena do Corínthians, quando tivemos, creio eu, a mais chocha, aguada e desenxavida abertura de quantas já se apresentaram até hoje. Claro que nada disso tem a ver com o Brasil, pois o espetáculo era de responsabilidade única da FIFA, que decidiu contratar uma coreógrafa belga para realizá-lo… Aliás, estou começando a achar que a grande contribuição da FIFA para essa Copa de 2014 foi a de impor o nome de Arena aos nossos Gigantes novinhos em folha , deixando a tradicional designação de Estádios apenas para os devidamente recauchutados… Já sobre o jogo de inauguração, não me parece cabível acrescentar nada mais a tudo que já se disse em prosa e verso, em palavras e imagens, no Brasil e em todo o mundo, das façanhas de Neymar à vista grossa (ou miopia?) do juiz japonês e ao gol contra de Marcelo. Além disso, é bom lembrar que aqui neste Quincasblog apenas estamos passando a limpo memórias de Copas idas e vividas, e não de disputas in fieri…
1974: A Copa em cores
Mas voltando ao final de nosso capítulo anterior e deixando para trás as glórias do Tricampeonato no México 70, pouco temos de positivo para falar da Copa seguinte, a décima, realizada na Alemanha e pela segunda vez vencida por um país-sede. A grande novidade para nós no Brasil foi a de ver pela primeira vez uma Copa colorida, ou seja, transmitida em cores pela TV. Eu me encontrava em Brasília, cedido por empréstimo, tal como um jogador, ao Ministério da Indústria e Comércio, onde assumi as funções de Chefe da Assessoria Internacional do Ministro Severo Gomes. Assisti aos jogos em um telão – novidade na época – instalado numa salão do Itamaraty.
A equipe que de fato marcou essa disputa e entrou para a história foi a da Holanda, de volta após 36 anos de ausência e que desclassificou inclusive o Brasil de Rivelino e Jairzinho (2×1), com seu irresistível e até hoje famoso Carrossel, caracterizado por uma incrível mobilidade de todos os jogadores. Figuras como Johan Cruijff, hoje uma lenda do futebol, atuavam praticamente em todas as posições, levando o time à final contra a Alemanha Ocidental, equipe de outro mito extraordinário, Franz Beckenbauer, que já me tinha impressionado muitíssimo quatro anos antes, no México. Infelizmente, porém, e para dar outra vez razão às bruxas, a fantástica Laranja Mecânica, a favorita absoluta, não passou de um melancólico segundo lugar, (que em certas circunstâncias corresponde ao último, o Brasil que o diga), amargando uma derrota final por 2×1 para a onipresente e renitente equipe alemã. Enfim, c´est la vie!…
1978: A Copa dos milicos e da suspeita
Foi a vez de a Argentina faturar o seu caneco. Mas da maneira mais polêmica e duvidosa. Aliás, essa foi de fato a Copa da Discórdia, e isso se pode atribuir em grande parte ao péssimo clima político que tomava conta do país, dominado por uma ditadura militar brutal, chefiada pelo General Rafael Videla, condenado mais tarde à prisão perpétua por “crimes de lesa-humanidade”, cometidos nessa época em que esteve à frente do governo e de uma monstruosa repressão política, onde os sequestros, as detenções, as torturas e os assassinatos se tornaram eventos quotidiano. As investigações posteriores nos dão conta de que as aclamações patrióticas dos torcedores nos jogos do Estádio Monumental de Nuñez abafavam os gritos dos prisioneiros torturados na famigerada Escuela de Mecánica de la Armada, a Casa dos Horrores que distava poucas quadras do estádio. A Copa do Mundo, portanto, foi uma iniciativa das autoridades militares para tentar encobrir a triste realidade do país naqueles momentos sombrios. De qualquer modo, nada a ver com o Brasil de 70, a despeito da ditadura que também controlava a vida política do país.
Mas não resta dúvida de que uma série de outros elementos contribuíram para aquecer a polêmica. A mero título ilustrativo, podemos elencar as inúmeras falhas na organização, com estádios inacabados, grama se soltando sob os pés dos jogadores, a Seleção da casa jogando quase todas as suas partidas em Buenos Aires e obrigando as demais a longas viagens pelo país, juiz apitando o término de uma partida empatada, com a bola no ar lançada de um corner na cabeça de Zico, que fez o gol de desempate anulado pelo árbitro inglês (Brasil x Suécia), etc. Além disso, como Argentina e Brasil disputavam uma vaga na decisão, marcou-se na última hora o jogo Brasil x Polônia para as 16:45 e o da Argentina x Peru para as 19:15… Mas evidentemente nada se compara ao que aconteceu nesse jogo da Argentina contra o Peru, quando os os anfitriões precisavam fazer no mínimo 4 x 0 para eliminar o Brasil, e fizeram nada menos que 6×0, e contra uma equipe que até então estava bastante bem na disputa. As suspeitas de que jogadores peruanos facilitaram a dilatada vitória argentina persistem até hoje, agravadas por depoimentos de jornalistas e até de jogadores peruanos aparentemente arrependidos. Mas a verdade é que, no caso do Brasil, bastaria não termos empatado com os argentinos, para no final dependermos apenas de nós.
A moral da história é que a Argentina contava com um bom time e um bom técnico (César Menotti) e acabou na final atropelando o Carrossel Holandês, que a essas alturas já andava meio estropeado. À Seleção Canarinho, recheada de craques como Leão, Zico, Roberto Dinamite, Dirceu e Reinaldo, coube o terceiro lugar e um título inédito, o de Campeão Moral, inventado depois pelo técnico Cláudio Coutinho, já que o país saíra invicto da Copa, e de uma Copa bastante suspeita. Millor Fernandes chamaria essa façanha depois de a Invictória brasileira…
1982: De novo as bruxas: A Tragédia de Sarrià
Essa foi muito triste, e não só para o Brasil como para milhões de amantes do futebol-arte em todo o mundo. Eu, de licença no Itamaraty e vivendo temporariamente em São Paulo, trabalhando como Superintendente de Operações Externas da trading company Comexport, vivi com grande alegria os jogos do Brasil, acompanhados pela TV, até aquele fatídico encontro com a Itália, equipe que vivia uma péssima fase, havendo em quatro jogos logrado apenas uma vitória. Enquanto isso, depois de ultrapassar com total facilidade a primeira fase, a brilhante equipe de Telê Santana , que contava com gente do nível de Zico, Sócrates, Toninho Cerezo, Júnior e Falcão, despachava a Argentina (3 x 1) com grande superioridade técnica e tática, com dois gols de Zico e um de Serginho.
Mas, fazer o quê, soltaram de novo a bruxa, aquela que que só sabe aguar o chopp e melar a festa dos favoritos absolutos… E lá fomos nós pro brejo, na Tragédia do Sarrià, (nome do bairro e do estádio do Clube Espanhol de Barcelona, do qual vim a ser vizinho cinco anos depois. Foi outro Maracanazo em nossa vida, tangidos pelo doloroso açoite de um alucinado Paulo Rossi, que veio ao mundo só para estragar os nossos mais belos sonhos de um tetra campeonato… Derrota de 3 x 1, com três de Rossi. Será que de novo fomos vencidos pelo excesso de auto-confiança, pelo quase inevitável clima do já ganhou? Sei lá, minha gente, mas acho que quem tem razão mesmo é o elefante determinista da premiada peça Inocêncio quer Girafa – montada por nosso grupo teatral no Rio dos anos 60, e de autoria de meu já citado e pranteado amigo Luiz Carlos Saroldi – quando volta e meia repetia, lentamente, levantando uma pata traseira e depois outra: O que tem de ser, tem muita força!
(Pano rápido)
1986: A Copa vista da cozinha
Entrada da Concentração em Toluca
Essa Copa, como já disse, eu vi de muito perto. Perto até demais. Foi a Copa do Bicampeonato argentino, da glorificação de Maradona e sua Mano de Dios, da inauguração da desagradável sequência da França como algoz do Brasil nas Copas, da injusta crucificação posterior de Zico, acusado por muitos como responsável direto pela derrota e consequente desclassificação brasileira, por haver perdido um pênalti no transcorrer daquele empate contra a França, esquecendo-se que na decisão final por pênaltis Zico converteu, enquanto Sócrates e Júlio César deixaram de marcar…
E coube novamente ao México sediar uma Copa do Mundo, em vista da desistência da Colômbia, às voltas com sérios problemas econômicos, que havia sido escolhida desde 1974, e da recusa dos Estados Unidos, Canadá e Brasil (decisão do Presidente Figueiredo) em substituí-la. A declaração do Presidente colombiano Belisário Betancur não poderia ter sido mais contundente: “Aqui não se cumpriu com a regra de ouro em que a Copa deve servir à Colômbia e não a Colômbia à multinacional FIFA. Não há tempo para atender às extravagâncias da FIFA e de seus sócios. “ E, não nos esqueçamos, o Presidente da FIFA era o brasileiro João Havelange, que ampliara para 113 o número de países participantes da fase classificatória, dos quais 24 se encontrariam na Copa mexicana.
MISSÃO EM GUADALAJARA
Pois não é que lá estava eu, posto em sossego, vivendo em Washington desde 1983, como Conselheiro da Embaixada do Brasil, quando recebo do Itamaraty a desafiante incumbência de atuar como elemento de ligação com a Delegação da CBF e de criar a Casa do Brasil em Guadalajara, cidade sede de nosso grupo, e na Cidade do México, onde esperávamos repetir o sucesso de 70 e jogar a partida final… Topei o desafio, arrumei as malas e entusiasmado viajei em abril de 86 para o país onde vivera, dezesseis anos antes, uma aventura inesquecível, como narrado aqui em nosso capítulo anterior, e aonde voltara algumas outras vezes a trabalho, entre 74 e 79, na qualidade de Chefe da Assessoria do Conselho Nacional do Comércio Exterior – CONCEX e do Ministério da Indústria e Comércio. A primeira providência, claro, foi a de buscar um imóvel em Guadalajara que pudesse abrigar adequadamente uma Casa do Brasil que fosse também, e sobretudo, um centro de recepção do torcedor mexicano, especialmente o de Jalisco, que já havia demonstrado sua imensa simpatia pelo Brasil na Copa do Tricampeonato.
A CASA DO BRASIL
Contrariando a tendência de colegas da Embaixada na Cidade do México e de colaboradores da agência local do Banco do Brasil, que já haviam em princípio optado por um hotel de cinco estrelas localizado em zona nobre da cidade, procurei com sucesso fazê-los ver que o nosso público – alvo principal – o torcedor anônimo local, o Juan Pueblo – não conseguiria talvez ultrapassar a porta de entrada de um luxuoso hotel como aquele, até por questões de segurança. Deste modo, partimos para um plano B e negociamos o aluguel de uma casa histórica (onde nascera uma ex- primeira dama do país), térrea, bem localizada, com uma área total de 3 mil metros quadrados e toda voltada para um aprazível pátio interno. Pertencia então a dois irmãos, ambos dentistas, que a alugavam regularmente para grandes festas, bailes de formatura, congressos, etc. Lembro-me que após horas de amistosa negociação, consegui reduzir o salgado aluguel de 22,5 mil dólares (500 dólares/dia, preço que costumavam cobrar), para 9 mil, ao acenar-lhes finalmente com a autorização para a venda de cerveja no local, mas nunca de tequila ou de qualquer outro hard-liquor, como pretendiam – e por razões óbvias. Fechamos, em princípio, o negócio, e parti logo para Brasília, com vistas a obter a necessária anuência de meus superiores no Itamaraty, o que se fez sem delongas.
Concluída essa primeira etapa, e depois de preparar um orçamento de gastos tão minucioso quanto possível àquela altura, procurei o Presidente do Banco do Brasil, Camilo Calazans, meu amigo desde os anos setenta, quando dirigia o Instituto Brasileiro do Café e eu a Asessoria Internacional do Ministério da Indústria e Comércio, ao qual o IBC se subordinava. Expliquei-lhe que o Itamaraty não dispunha de verba específica para aquele projeto e que portanto estaria na dependência da aprovação de uma Exposição de Motivos à Presidência da República, que deveria ainda ser encaminhada, autorizando o crédito necessário. Como dispúnhamos de pouco tempo para levar adiante o projeto, não me restava senão contar com o apoio e patrocínio do Banco do Brasil… Saí da visita agradecido e animado com a promessa (cumprida depois à risca) de uma contribuição de 75 mil dólares, a exata quantia total prevista em nosso modesto plano orçamentário.
Morto mais esse leão, fomos atrás do seguinte, ou dos seguintes, buscando o apoio de empresas de refrigerantes (sobretudo guaraná), de camisetas da Seleção e de brindes diversos, tudo naturalmente a custo zero, para ser distribuído aos visitantes da Casa do Brasil. E a verdade é que as camisetas e esses outros brindes, somados aos milhares de kits levados pelo próprio Banco do Brasil, permitiu-nos colorir de verde-amarelo o Estádio Jalisco e as ruas e praças da cidade. Nos dias de jogo do Brasil, lá íamos nós, plantados na carroceria de um velho caminhão emprestado por mais um mexicano de boa- vontade, a atirar bandeiras, bonés e camisetas para uma multidão de torcedores enlouquecidos em torno do Estádio Jalisco.
BASTIDORES DA CBF
O passo seguinte foi o da visita que fiz, no Rio de Janeiro, ao Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, o advogado aposentado do Banco do Brasil e ex-Presidente por doze anos da Federação de Futebol do Rio. Ele havia assumido o cargo de dirigente máximo da CBF no início daquele ano, em uma eleição meio estranha, uma vez que até a véspera do pleito era candidato a Vice na chapa do ex-Presidente da Federação de São Paulo e Deputado Estadual, Nabi Abi Chedid, figura sobejamente conhecida e não muito apreciada pela crônica esportiva da época. Prevendo um possível empate na contagem dos votos, promoveu-se a troca repentina na chapa, pois nesse caso, e segundo os Estatutos, venceria o candidato mais idoso, ou seja, Otávio Pinto Guimarães… Além disso, o simpático Presidente que encontrei estava se tratando de um câncer muito agressivo, como me confidenciou, e por esse motivo não poderia acompanhar a Seleção ao México. Em seu lugar, viajaria o Senhor Nabi Chedid, e a delegação da CBF à Copa seria presidida pelo Dr. José Maria Marin, de São Paulo, ex-jogador, advogado, politico profissional, vereador, deputado estadual, que ficara alguns meses à frente do Governo do Estado em 1982/83 em substituição a Paulo Maluf, de quem era Vice. Sabemos todos que recentemente o nosso personagem assumiu o lugar de Ricardo Teixeira na presidência da CBF, afastado como se sabe por problemas médicos, e que deverá logo ceder a cadeira ao recém-eleito Marco Polo Del Nero, também de São Paulo.
DE NOVO EM GUADALAJARA
Depois desses contatos no Brasil, voltei ao México para acertar os ponteiros com a Embaixada no tocante à montagem de uma infraestrutura na Casa do Brasil em Guadalajara que nos permitisse assegurar aos visitantes e frequentadores o necessário apoio logístico, dentro maior conforto possível. E foi assim que pudemos instalar uma Seção Consular, um aparelho de telex (velhos tempos!) para receber e divulgar notícias diárias do Brasil, uma loja de passagens da VARIG (idem!), além da publicação de uma pequena revista com as novidades da Copa e informações turísticas sobre Guadalajara e seus arredores. Nossa preocupação maior – a obtenção do mobiliário e de elementos de decoração – foi logo sanada pela extraordinária gentileza e boa vontade do comércio local, que acedeu em nos fornecer tudo, em troca, no máximo, de uma simples publicidade em nossa revistinha. Essa gestão foi facilitada sobretudo por um casal simpático e eficiente de uma brasileira e um mexicano residente na cidade, e que se tornaram nossos grandes amigos. Conviria também reforçar o óbvio: para movimentar tudo isso e muito mais, recebendo uma media de mais de mil pessoas por dia, contei com a dedicação imensa e decisiva de uma pequena equipe de funcionários e colegas do Itamaraty colocados à disposição do projeto, sem falar de minha própria mulher, Liana, que esteve trabalhando a meu lado durante a maior parte daquelas semanas extenuantes, e de dois altos funcionários do Banco do Brasil, que também muito nos ajudaram. Um deles, aliás, o meu amigo e velho colega do Colégio Santo Inácio no Rio, o excelente cronista do Correio Brasiliense, Márcio Cotrim.
ACROBACIAS DO CIRCO VOADOR…
Um capítulo especial foi o dos vários shows que apresentamos com artistas brasileiros e alguns mexicanos na Casa do Brasil. Para isso, alugamos uma grande palco móvel, devidamente equipado, onde a cada noite músicos como o sambista João Nogueira e a cantora Denise De Kalafe, brasileira radicada no México desde finais dos anos 60 e que já em 72 se consagrava como ídolo da canção latina no país, apresentavam-se para um publico delirante que lotava as dependências da Casa do Brasil. Isso, sem falar da presença constante de integrantes da grande troupe do Circo Voador do Rio de Janeiro, com mais de 110 participantes, comandados por seu notável diretor e criador, Perfeito Fortuna. Aliás, essa história do Circo Voador em Guadalajara merece sem dúvida uma citação à parte. A viagem da troupe fora intermediada por Denise De Kalafe, com a previsão de que as apresentações seriam feitas debaixo de uma carpa (lona) a ser armada numa praça central da cidade. Alegando problemas de segurança, as autoridades vetaram essa pretensão, e nem a longa negociação que mantivemos, Denise e eu, em audiência especial com o próprio Governador de Jalisco, foi suficiente para fazê-lo mudar de opinião. Moral da história: em vez de apresentações no centro da cidade, o Circo teve que acatar a proposta impositiva do Governador e fazer seus espetáculos diários num imenso ginásio de esportes localizado a quilômetros distância, e para um publico bastante rarefeito. Uma lástima.
Mas os problemas com o Circo Voador não pararam por aí, pois alguns dias após o início da Copa, tive eu que fazer, isso sim, contorsões e malabarismos diante do Governador ( outra vez!) para refutar suas acusações de que torcedores brasileiros e especialmente o pessoal do Circo, estavam provocando quebra-quebras, arruaças, brigas de rua, com o saldo de centenas de estilhaços de garrafas espalhadas a cada noite, exatamente no trecho em frente ao hotel em que se hospedavam os nossos artistas. Lembro-me da dura conversa que mantivemos. Repeli de imediato as acusações e provei-lhe em seguida que os mais de cem componentes do grupo circense, em consequência mesmo da decisão dele, Governador, eram obrigados a deixar o hotel todos os dias por volta das 19hs e tomar o ônibus para o distante ginásio onde se estavam apresentando, só regressando nas primeiras horas da madrugada. Disse mais, que os brasileiros em geral, e por temperamento mesmo, não costumam extravasar sua alegria na base do quebra-quebra, bem ao contrario dos mexicanos, como minha experiência da Copa de 70 me mostrava sobejamente… Concluí afirmando que, a bem da verdade não seria de todo surpreendente flagrar (e depois prender, claro) um torcedor brasileiro afogado em níveis etílicos além dos limites toleráveis, ou seja, de porre, tomando banho pelado, às duas da manhã, numa fonte luminosa da cidade, mas destruindo o patrimônio publico ou provocando arruaças, isso nunca… Sugeri-lhe finalmente que providenciasse um policiamento preventivo no local, a cada noite e a partir das 18hs, que assim o problema estaria resolvido. Dito e feito, para sorte de todos nós.
A CHANTAGEM
Como os pacientes leitores estão percebendo, a Casa do Brasil funcionava às mil maravilhas, enquanto os abacaxis eram plantados do lado de fora de suas grossas paredes conventuais. Um deles, o maior de todos, e envolvendo um torcedor brasileiro, foi realmente dramático. Certo dia fui procurado por três rapazes de Santa Catarina (ou do Paraná, não me lembro bem), que me relataram uma história realmente séria, perigosa e até então inconclusa. Os três e mais um companheiro de viagem estavam à noite no saguão do hotel, com ideia de sair para uma boate local, quando viram uma moça mexicana, também hospedada ali, que depois de um simpático bate-papo resolveu acompanhá-los. Horas depois, ela e um dos brasileiros retornam ao hotel e resolvem se encontrar no quarto dela para passarem o restante da noite. So far, so good, como diria o Monsieur de la Palisse, caso falasse inglês. Acontece que logo em seguida a polícia bate à porta e, sem mais aquela, dá voz de prisão ao indecente cavalheiro que ali estava, abusando de uma menor de idade. Mais grave: o acusado não passou nem pela Comissaria, sendo levado diretamente à penitenciária local, onde se encontrava desde a véspera, incomunicado e acusado de estupro.
Fiquei perplexo com a narrativa, mas muito mais indignado com o que me disseram a seguir: os três já haviam recebido, no telefone do hotel, duas chamadas anônimas de um chantagista – e na segunda, com a própria voz da vigarista violentada, que de menor não tinha nada, por supuesto – exigindo nada menos que 50 mil dólares para livrar o brasileiro da prisão! O caso era tão grave que imediatamente acionei o Cônsul Honorário do Brasil em Guadalajara, uma figurinha folclórica e muito folgada, que muito a contragosto acedeu em contactar um juiz de direito seu amigo, sem nenhum resultado. No dia seguinte, os jornais estampavam o revoltante escândalo do brasileiro estuprador, e as radios locais repetiam em seus noticiários que a pena minima reservada para ele seria de nove anos de reclusão. Pouco depois, no entanto, sucedeu algo incrível, pois como um dos companheiros do preso era radialista, conseguiu gravar um dos telefonemas, em que os chantagistas já estavam reduzindo o preço do resgate para cinco mil dólares. Ao mostrar a gravação para o gerente do hotel onde estavam hospedados, este reconheceu imediatamente a voz de um indivíduo muito conhecido e muitíssimo temido na cidade, reconhecidamente ligado ao narcotráfico, jornalista da imprensa marron, e que tinha um programa regular numa radio local. Não faltava mais nada…
Decidi ligar para o Chefe de Gabinete do Governador e contar-lhe todo o episódio, sem nada ocultar, o que o deixou visivelmente assustado. Marcamos uma visita minha ao Governador (mais uma!), às dez da noite, para levar-lhe pessoalmente a fita gravada e naturalmente exigir providências imediatas cabíveis. O dito cujo desta vez não me recebeu, alegando uma desculpa esfarrapada, mas entreguei à sua chefia de Gabinete a prova do crime. Ouviram privadamente a cassete durante um longo tempo, enquanto eu esperava na sala contígua. Ao sair, fui contundente, e disse ao auxiliar do Governador que naquele momento eu falava em nome do Governo do Brasil e que exigia a soltura imediata de um cidadão brasileiro inocente, vítima de uma chantagem inadmissível. Cheio de dedos, meu interlocutor assegurou-me que na manhã seguinte seria providenciada a soltura, e concluiu implorando-me, não há outra palavra, que não mencionasse nunca que eu estivera com ele para tratar desse assunto, pois afinal tinha mulher e filhos, e o caso era altamente explosivo, em razão da pessoa envolvida. De fato, o caso era tão delicado que tampouco na manhã seguinte a vítima foi libertada, o que só aconteceu no outro dia à tarde.
Eu estava tão indignado com a situação, que ao receber o nosso patrício injustiçado na Casa do Brasil, vindo diretamente da prisão onde mandei buscá-lo, expliquei-lhe tudo que se havia passado, inclusive que seu nome e seu conceito em todo o país, sobretudo em Guadalajara, não era dos melhores naquele momento, mas que caso ele aceitasse, eu estaria disposto (que imprudência a minha, Deus do céu!) a convocar uma rueda de prensa na Casa do Brasil, dar a seu lado uma entrevista detalhada, e no final colocar a fita cassete para todos ouvirem aquela voz tão conhecida… O nosso amigo, bastante abalado, concordou depois de certa hesitação, e combinamos a entrevista para a segunda-feira seguinte (estávamos na sexta). Mas nesse fim de semana, ao encontrá-lo no Estádio Jalisco, antes do jogo fatídico contra a França, confidenciou-me ele que seu estado de espírito era tão mau, que desistira de tudo, só lhe interessando voltar imediatamente ao Brasil, independente da campanha da Seleção. E foi assim que este pobre escriba, às vêzes um tanto imprudente, acabou talvez sendo salvo pelo gongo…
AS INCRÍVEIS TRAPALHADAS DA CBF
Deixamos para o fim a narrativa de algumas das incríveis trapalhadas provocadas pela falta de planejamento e de organização da Confederação Brasileira de Futebol nessa Copa de 86. São três estorinhas curtas que merecem ser contadas.
PRIMEIRA ESTORINHA
Enquanto andávamos às voltas com a preparação da Casa do Brasil, eu não tirava os olhos de minha outra importante missão no México, que era a de estabelecer uma ligação permanente com a Delegação oficial da CBF, procurando facilitar-lhe o trabalho no que fosse possível. Mas confesso que não foi nada fácil. E tudo começou com a implausível informação veiculada na imprensa brasileira de que a Seleção Canarinho, a poucos dias, repito, a poucos dias da partida para o México, ainda não sabia onde iria concentrar-se. Uma semana antes do voo, os jornais davam conta de que, na impossibilidade de encontrar um lugar adequado, a Seleção faria sua necessária adaptação à altitude em algum sítio… na Colômbia! Pouco depois recebi a notícia de que não, o time iria ficar no Centro de Capacitação da Nestlé, em Toluca, a 2.660 m de altitude, portanto mais alta que a Cidade do México. Fiquei perplexo: aquele era o sítio reservado para a própria Seleção mexicana, a ser ocupado alguns dias mais tarde. Será que a CBF desconhecia isso? E aí? Aí decidiram viajar assim mesmo…
E certa madrugada lá fomos eu e meu colega Secretário Sergio Cavalcanti, deslocado pouco antes do Consulado em Nova Iorque para integrar nossa equipe, receber a Delegação brasileira no Aeroporto de Toluca. O avião da VARIG aterrissou com o dia nascendo, e logo duas surpresas para mim: o lateral direito Leandro não comparecera ao embarque, em solidariedade ao amigo Renato Gaúcho, que havia sido dispensado por Telê Santana por indisciplina; e a grande esperança para o título, Zico, seriamente contundido, com profunda lesão no joelho esquerdo três vêzes operado, descia as escadas do avião com visível dificuldade. A tal ponto, que no momento de posar para as fotos no salão do aeroporto todo em festa, com mesas e mais mesas para o café da manhã oferecido aos visitantes e convidados, tiveram logo que providenciar uma cadeira para o pobre Zico, que mal se aguentava em pé. O resultado de tudo isso, como sabemos, foi que o nosso grande craque teve que passar a Copa dentro de enfermarias e salas de musculação, só saindo para entrar apenas em três partidas e sempre no segundo tempo. Foi o ocaso melacólico da carreira gloriosa de um dos maiores jogadores que o mundo conhecera.
À tarde daquele mesmo dia, fui fazer uma visita ao Centro de Capacitação da Nestlé, cujas instalações ficavam no alto de um morro à margem da rodovia. Embora estivesse com meu passaporte diplomático e em um carro oficial da Embaixada, os seguranças da polícia mexicana revistaram-no por inteiro, abrindo portas, capot e porta-mala, não sem antes interfonar para a recepção que ficava lá no alto. Ou seja, a maior preocupação das autoridades durante toda a Copa foi sempre com a segurança, chegando por vêzes a níveis de pura esquizofrenia. Por isso, um pequeno incidente ocorrido logo depois que subi e fui recebido por José Maria Marin – pessoa de bom trato, educado e muito amável, e por seu vice-presidente de delegação, Nabi Abi Chedid, ao qual não posso distribuir os mesmos qualificativos – já me permitiu entrever o clima reinante. Estávamos conversando numa sala vizinha à recepção, quando de repente começamos a ouvir ruídos de uma discussão ao lado, que se transformaram num bate-boca frenético a partir da intervenção do senhor Nabi Chedid. Minutos depois volta-se ele para mim, perguntando mas na verdade já afirmando, e da maneira mais grosseira e indignada: Era um jornalista penetra! Foi o senhor que trouxe esse homem aqui para cima!? Dei-lhe no tom adequado a resposta que merecia e retirei-me depois, ciente de que jornalistas continuavam sendo o grande bicho-papão da Seleção brasileira. Aliás a notável revista Placar, de 19 de maio de 1986, deixava ver o clima daquela delegação, escrevendo:” O microônibus que levava a Seleção Brasileira do campo de treino à concentração no Centro de Capacitação da Nestlé, em Toluca, nada tem de semelhante com o ambiente ao seu redor: são quase 50 seguranças fortemente armados e dispostos a tudo. O mesmo se vê no eterno e infrutífero jogo de forças da comissão técnica e dos dirigentes contra a imprensa do Brasil.”
Apenas para concluir: uma semana mais tarde, a Seleção mexicana fazia valer seus direitos, despejando assim a delegacão brasileira, que se viu obrigada a mudar para as instalações do América, clube local da primeira divisão, com vistas a concluir o período de aclimatação de seus atletas à atmosfera rarefeita das grandes altitudes.
SEGUNDA ESTORINHA
Embora fundado apenas em 1970, o Clube Universidad de Guadalajara já era muito querido e respeitado em sua cidade sede e em todo o México. A CBF, com grande antecedência, havia acertado com eles a realização de um jogo-treino contra a Seleção para o periodo anterior ao início da Copa. Com a partida marcada para a quarta-feira seguinte e com os ingressos já à venda, na manhã do sábado anterior recebo na Casa do Brasil um telefonema surpreendente, sobretudo pelo interlocutor. Era uma chamada do quartel-general da CBF na Cidade do México, mas quem falava comigo era um tal de Cañedo, que logo se apresentou como filho do Senhor Guillermo Cañedo – personalidade que eu definiria, para ser breve, como uma espécie de João Havelange mexicano, ou seja, ex-Presidente de Clube e da Federação, empresário bem- sucedido, magnata do futebol, Vice-Presidente da FIFA, que conseguiu levar a Copa duas vezes para seu país, etc. Pois bem, de dentro da concentracão da Seleção brasileira, a voz que me telefonava pedia-me para conversar, em nome da CBF, com o Presidente do Universidad Guadalajara e explicar-lhe que, por motivos médicos e técnicos a Seleção brasileira não poderia interromper seu periodo de adaptação à altitude (Guadalajara está em nível muito mais baixo que a Cidade do México), e que lamentávelmente, portanto, o jogo previsto teria que ser cancelado!
Fiquei boquiaberto , mas como para ajudar o Brasil a ganhar mais um título tudo valia, pus-me a campo, tentando da melhor maneira desimcumbir-me da incômoda missão. Às onze da manhã liguei para o Presidente do Universidad, mas não consegui encontrá-lo. Às duas da tarde voltei a chamá-lo, já que o caso era de maxima urgência, e aí sim, cheio de dedos procurei explicar-lhe a situação e justificar o cancelamento do compromisso da CBF.
– Mas a que horas o senhor recebeu esse telefonema? perguntou-me ele admirado.
– Por volta das dez horas.
– Mas eu não entendo, pois há pouco mais de uma hora recebi uma chamada da Delegação do Brasil confirmando a realização da partida…
– Como????????
E assim foi, meus amigos, que fiquei não mais apenas boquiaberto , mas com cara de tacho diante daquela nova trapalhada da CBF. O jogo-treino combinado, descombinado e recombinado, foi enfim realizado…
TERCEIRA ESTORINHA
Ao contrário do Universidad, o Club Deportivo Guadalajara, também conhecido como Chivas Guadalajara, foi fundado em 1906, tendo portanto um longa tradição, além de ser dos mais populares e bem-sucedidos do país. Um belo dia recebo novo telefonema dos manda-chuvas da CBF, encarecendo-me o favor de contatar seu Presidente para explicar-lhe que em virtude de recomendação médica a Seleção… advinhem? não poderia cumprir o compromisso acertado e descer a Guadalajara para realizar o jogo-treino, etc. etc. Como já tinha acabado de ver esse filme sem-graça, recusei o pedido e coloquei-me à disposição para receber no Aeroporto os manda-chuvas que, a meu ver, deveriam vir para explicar pessoalmente o assunto aos diretores do Deportivo, com os quais eu marcaria um encontro. E foi então que presenciei um diálogo absolutamente inacreditável, quando os três representantes da CBF tentavam justificar o rompimento do compromisso assumido. Depois de muitos salamaleques, um deles arrematou:
– Deste modo, Presidente, gostaríamos que o senhor nos desculpasse e entendesse nosso problema, que nos impede de realizar o jogo programado.
– Mas, meus caros, confesso que não compreendo o que se passa, respondeu o Presidente, perplexo. O que posso dizer-lhes é que há cerca de um ano enviei um Ofício ao Presidente da CBF, no Rio de Janeiro, consultando-lhe sobre a possibilidade de um jogo-treino antes da Copa, para comemorarmos em grande estilo os 80 anos do nosso Clube. Os meses se passaram e nunca recebi qualquer resposta, até que um dia nos avisaram que um representante da CBF viria pessoalmente a Guadalajara para tratar do assunto, e que estaria hospedado no Hotel Presidente. Acontece que na cidade não existe nenhum hotel com esse nome, e esse representante nunca nos procurou. Diante disso, demos por inexistente qualquer compromisso e não pensamos mais no assunto.
– Como????????? Bem, então, o senhor nos desculpe…
E durma-se com um barulho desses!…
QUARTA E ÚLTIMA ESTORINHA
Acho que já tivemos uma dose suficiente de trapalhadas para mostrar o nível de organização de Nabi Chedid e Cia, mas caberia mencionar ainda uma última embrulhada, envolvendo agora o local escolhido um ano antes da Copa para a concentração da Seleção brasileira em Guadalajara.
Logo que cheguei à cidade para montar a Casa do Brasil, procurei conhecer pessoalmente as instalações que abrigariam a Delegacão brasileira por quase um mês. O local era fora da cidade, a cerca de 40 quilômetros, em um clube de campo muito aprazível, dotado dos equipamentos normais de um clube social, mas com um anexo contíguo destinado a hospedar os sócios interessados, além de dois pequenos campos de futebol. A uns 500 metros dalí, um edifício de vários andares acabava de ser construído e que, segundo me explicaram, estava destinado a hospedar jornalistas de vários países que viriam para cobrir a Copa. Confesso que fiquei surpreso (de novo!) com a escolha daquele sítio, sabendo bem o que significava a proximidade física da imprensa para o pessoal da CBF… Pois não deu outra: no dia em que estiveram em Guadalajara para o encontro com a diretoria do Chivas, os representantes da CBF foram levados por mim para uma visita ao local. E foi um deus-nos-acuda quando viram aquilo que eles mesmos haviam escolhido (um deles estivera presente na visita inicial, um ano antes), ou seja, um clube social, que não estaria naturalmente fechado para seus frequentadores durante aquele periodo da Copa, absolutamente devassado e, last but nor least, ao alcance de centenas de jornalistas e fotógrafos esportivos… O bate-boca que fui obrigado a presenciar em nossa Kombi, na volta a Guadalajara, era digno de uma cena de Groucho Marx e seus irmãos. E eu só pensava: meu Deus do céu, será que dá para ganhar a Copa com toda essa organização? A única coisa que se salvava desse naufrágio eram mesmo os jogadores e, muito especialmente, a figura serena, séria e educada de Telê Santana, com quem mantive contato estreito durante aquele período, chegando inclusive a programar alguma atividade de lazer para o grupo, como a ida a uma charrería, esporte nacional do México e um misto de rodeio e vaquejada.
TRAPALHADA DA FIFA
Mas neste capítulo de trapalhadas, não poderia deixar de mencionar também a mancada da FIFA, que nas cerimônias prévias de um jogo do Brasil (não me lembro extamente qual), os jogadores brasileiros formados para cantar o Hino Nacional, tiveram que ouvir o Hino à Bandeira!… Na mesma tarde enviei uma carta de reclamação aos responsáveis pelo conchilo imperdoável, invocando inclusive o argumento de que não me parecia crível que a FIFA ainda não conhecesse o Hino Nacional do único Tricampeão mundial e único país a comparecer a todas as Copas realizadas até aquele dia.
FINAL MELANCÓLICO
Depois de todas essas peripécias, das trapalhadas da CBF, do imenso sucesso da Casa do Brasil (ao menos isso!), da adrenalina de certos momentos, e até da perda de alguns quilinhos suados, decidi encerrar nossas atividades, após a derrota para a França, com uma palestra, em que destacava, para um público que lotava nosso salão principal (onde diariamente projetávamos filmes documentários sobre o Brasil), a afinidade entre brasileiros e mexicanos, a despeito da enorme distância geográfica a nos separar.
Algo de positivo deve ter ficado depois de toda essa aventura…
UMA REFLEXÃO FINAL
Algo curioso que me chamou bastante atenção na Copa de 70 foi a indisfarçável empatia entre os torcedores mexicanos e a Seleção brasileira, fenômeno que atribuí logo à excelência de nossos craques, com Pelé à frente, seguido de Tostão, Jairzinho, Gérson, Clodoaldo e companhia. Entretanto, dezesseis anos depois, voltando a Guadalajara para a Copa de 86, ao visitar a sala de troféus do já octogenário Club Deportivo Guadalajara e deparar com uma grande quantidade de flâmulas, bandeiras e camisetas de times brasileiros, como Flamengo, Fluminense, Vasco, Corínthians, etc., datadas de visitas realizadas ao México nos anos vinte, trinta ou quarenta do século (hoje) passado, dei-me subitamente conta de que as razões para aquela simpatia tinham raízes bem mais antigas e mais profundas. Ou seja, o esporte, nesse caso o futebol, já havia há muito tempo plantado as sementes da alma brasileira naquele país, e agora nada mais fazíamos que colher os frutos daquela semeadura.
A essa percepção, que me impressionou bastante, voltei a me referir anos mais tarde, quando Cônsul-Geral em Barcelona, no início dos anos 90, em cerimônia de apresentação do troféu esportivo Ciutat de Barcelona, anualmente disputado entre um time brasileiro e o Reial Club Deportiu Espanyol. Na Salão da Câmara Municipal e na presença de seu Presidente, Pasqual Maragall, fiz uma breve alocução sobre a importância que tem exercido o futebol no estreitamento dos vínculos entre povos e nações, evocando, para demonstrá-lo, a experiência por mim vivida um certo dia em Guadalajara.
FUTEPOEMAS
Nosso próximo e último capítulo sobre futebol terá igualmente algumas estorinhas extracampo. Aguardem. Mas enquanto isso, vejam abaixo esse poema de Drummond a propósito da Copa de 70. E vejam vários outros poemas de vários poetas sobre futebol, entrando no site http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/futebol_e_poesia.html.
COPA DO MUNDO DE 70
Carlos Drummond de Andrade
I – Meu coração no México
Meu coração não joga nem conhece
as artes de jogar. Bate distante
da bola nos estádios, que alucina
o torcedor, escravo de seu clube.
Vive comigo, e em mim, os meus cuidados.
Hoje, porém, acordo, e eis que me estranho:
que é de meu coração? Está no México,
voou certeiro, sem me consultar,
instalou-se, discreto, num cantinho
qualquer, entre bandeiras tremulantes,
microfones, charangas, ovações,
e de repente, sem que eu mesmo saiba
como ficou assim, ele se exalta
e vira coração de torcedor,
torce, retorce e se distorce todo,
grita: Brasil! Com fúria e com amor.
9 de maio de 1970
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Deixar um comentário??? E é necessário ??? O autor , por si, já escancara eloquentemente todas as trapalhadas causadas por senhores que ocupam cargos para os quais não têm a mínima competência. Porém, por meios mui esquisitos, para dizer o mínimo, conseguem obtê-los com a conivência de certas entidades que fazem o seu jogo.
Infelizmente, durante a minha atividade profissional de consultor empresarial, tive a oportunidade de constatar a incompetência de executivos em postos de diretoria de algumas de grandes empresas, que delas foram banidos com o meu trabalho. Porém, neles se mantiveram durante muito tempo, antes da minha chegada, visto que ainda hoje a incompetência é encontrada mui facilmente entre os próprios empresários para saberem exatamente quem contratam. A incompetência e cargos obtidos por “pistolão” ainda são mui frequentes neste país e, portanto, não é por acaso que a baixa produtividade média das empresas brasileiras é um fato que muito dificulta a competitividade com outros países para ganharem mercado externo e até mercado interno. As trapalhadas assinaladas são muito mais comuns do que se possa supor, mas bem visíveis para quem exerce a profissão que exerço há 37 anos neste país.
Parabéns ao autor desta matéria que a apresenta com muito realismo e póe a nu a necessidade de se fazer uma grande faxina em alguns setores deste grande país.
Armando Ribeiro
a.ribeiro.consultor@gmail.com ///// https://www.aresemares.com