Você está em: Inicial » Angola // Brasil // Cabo Verde // Crônicas // Goa, Damão e Diu // Guiné-Bissau // Macau // Matérias Especiais // Moçambique // Países // Portugal // São Tomé e Príncipe // Timor Leste » A LÓGICA DO CONFORME – por Anna Maria A. Ribeiro
– Tia, tu tem um celular aí pra me quebrar uma? O telefone do posto tá fora.
– Não! Mas, meu querido, eu não sou sua tia.
– Eu também não sou seu querido.
– Touché!
– Quê?
– Estou dizendo que você tem razão. Que acertou na mosca, ou melhor, em mim.
– Essa palavra quer dizer tudo isso? É francês, né?
– É.
– Saquei! Estudei no colégio. Mas essa palavra, não dei, não.
– Imagino!
– Tu é francesa?
– Não.
– Eu também não. Então por que tu tá falando francês?
– Saiu sem pensar.
– E quando tu não pensa, tu fala francês?!
– Não! Quer dizer, falo. Ora, sei lá. Que conversa mais idiota. (…) Moço! Me vê aí um pacote de Free maço.
– Pacote?! Caraca! Tu vai fumar tudo isto?!
– Vou. Quer dizer, não. Ora, é pra ter em casa. Sabe o que é mais? O que é que você tem com isto?
– Foi mal. Foi mal. Eu não fumo.
– Ótimo! Não deve mesmo.
– Se tu acha isso por que é que ta comprando cigarro?.
– Me deixa em paz, garoto! Vai cuidar de sua vida!
– Menos, tia, menos. Manéra!
– Já falei que não sou sua tia.
– Tu pode falar francês e eu não posso falar tia? Qualé?
– Não gosto de ser chamada de tia, só isto.
– Os filhos de tua irmã te chamam de que?
– De nada. Não tenho irmã.
– Nem irmão?
– Os filhos dele me chamam de tia porque são meus sobrinhos. Você não é. E pára de me fazer perguntas idiotas!
– De vó, pode?
– O que?!
– Chamar de vó, pode?
– Você não pode me chamar de nada! Não conheço você e você não me conhece. Eu só vim comprar cigarro e você não sei o que veio fazer aqui além de me aborrecer.
– Tá legal. Tô mesmo de bobeira. Mas saca só uma: tu fuma e não pinta os cabelos.
– E daí? O que tem uma coisa a ver com a outra?
– Só tem.
– Tem o quê?
– Tu tá me fazendo pergunta, sacou?
– É que você disse uma coisa sem sentido.
– Jeito maneira! Eu sei da coisa.
– E que coisa é esta que você sabe?
– Prestenção! Uma minha vó não pinta cabelo e não fuma. Outra minha vó pinta cabelo e fuma. Viu?
– Não. Não vi nem saquei porque não faz o menor sentido.
– Pra tu não faz sentido porque tu quer fumar. Não ta sendo conforme. Te peguei!
– Pegou o que, garoto? Que negócio é este de conforme?
– Tu não sabe?! Tu fala francês e não sabe? Caraca, tia! Tu não é conforme mesmo.
– Escuta, você não tem mais nada pra fazer, não?
– Não! Tô esperando uma gatinha. Conheci na praia.
– Bom pra você. Agora boa noite, tá?
– Sei não…
– O quê?
– A gata… ela sapeca uns troço no cabelo. Deu pra sacar. Acho que pinta eles.
– E fuma?
– Não!
– Ah! Ah! Quem te pegou agora fui eu! Ela também não é conforme!
– Tu não saca mesmo nada, tia! Esse conforme que eu to falando é só pras tias!
Essa lógica juvenil é esquisita.
Aramando Ribeiro