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Reflexo e reflexão
Carlos Magno de Melo – Membro da ANE-DF
Amabilíssima leitora, gentilíssimo leitor, conseguimos, com a tecnologia, ampliar o tempo. Antes, líamos , escrevíamos, falávamos ao telefone, comíamos e conversávamos em tempos distintos, ou quase. A simultaneidade era mais rara. Tínhamos outro espaço dentro do tempo. Uma vez, conversando com o filólogo Antônio Houaiss, ele me segredou, quase ao pé do ouvido, que dentro do Ministério da Cultura, que ele havia assumido em data recente, ele tinha de lidar com prioridades e concomitâncias.
Pois hoje, a concomitância e a prioridade são quase uma só. Os jovens, principalmente, estudam ao mesmo tempo em que digitam no leptop, falam ao telefone e comem um sanduba com coca-cola. Casais se sentam à mesa de um restaurante com o pretexto de namorar e sacam os celulares para entrarem na nuvem azul da internet. Fazem os pedidos, comem, falam-se falam e se atualizam. O tempo que ficam no restaurante foi ampliado, pois, quanta tarefa realizam, que se fossem para serem executadas em separado, demandaria muito mais relógio. São as prioridades e as concomitâncias se imbricando.
Os livros são lidos com a mesma voracidade com que se joga uma batalha sangrenta no computador, e, não fosse ainda a concomitância do celular e o bate-papo com o amigo ao lado, ou os amigos ao lado. É o novo tempo. Paradoxal , complexo e prático. Um tempo de aproximação e de distanciamento. Um tempo em que as pessoas namoram, por internet. Têm ciúmes por conta dos namoros cibernéticos. Isolam-se em função da net. O facebook, google, skaipe e similares agregam e separam as pessoas. São os tempos de hoje e mais agudos de amanhã. As manifestações populares surgem da net e derrubam governos. Vide o Egito. São os tempos modernos, muito mais modernos do que previu Wells.
Há uma linguagem nova sendo elaborada. Uma linguagem cifrada, rápida, anárquica e nervosa. Uma linguagem despida de regras gramaticais e que, seguramente, estará nos dicionários em algum tempo, incorporada na medida em que vai sendo criada e cristalizada pelo uso. É assim que funciona com a Língua. Muito modismo cairá com a mesma velocidade com que veio, mas algo ficará, para o desespero dos puristas.
Hoje há muito reflexo. Haverá reflexão? Pergunta de Zuenir Ventura. E o que as pessoas, nós estamos fazendo com a elasticidade do tempo? Consumimos o tempo extra na net, onde mais?